Quinta-feira, Novembro 03, 2005

Teu Tango É Meu Fado




Dame un Tango - Rosa do Desejo - Solto....

Teu Tango É Meu Fado




O Tango Visto Pelo Fado! Produto de uma cultura portuária, botecos, prostituição e, por fim, a glória enquanto produto inseparável de uma cultura, confundindo-se com ela própria: eis o Tango,... tal como o Fado!
"O tango é um pensamento triste que se pode dançar" Enrique Santos Discépolo -
O Fado é um sentimento triste que se pode cantar; digo eu!

Erotismo das Palavras... Amor, paixão, desejo... quando as palavras tendem a ser tão fortes quanto as emoções...

No início era o verbo e o verbo fez-se Tango."Dame un Tango" - Dancei-o como soube, em palavras mais ligeiras ( nem por isso menos sentidas ), de quando em vez as guitarras teimavam no queixume e o Tango foi quase Fado. Cruzaram-se os sentimentos das duas canções numa Rosa: na "Rosa do Desejo". Assumi o meu Fado "Solto", por fim, num fado que ora chorava, ora vadiava, ora era canção, mas foi sempre o meu Fado....E o verbo sempre foi meu...



Dispo-me de todos os conceitos
Perco-me nos corredores do desalento
Entro em todas as portas sem bater
Surpreendentemente
Todas dão
Directamente
Para as fronteiras da solidão.

Olho para trás
Já nada lá resta
Nem a minha passagem

Entro numa porta ao acaso
Fecho-a atrás de mim
Sem dizer adeus

Fim

Foto: Rui Dias Monteiro





Colhi teu perfume porque és flor
E teus cheiros embrenharam-se em mim
Aromas abandonados dum imenso jardim
Que cultivo no solo do meu temor

Medos são ervas daninhas em motim
Lutas entre o querer crer e a dor
Que tolhem os sentimentos em favor
Do crescimento duma solidão sem fim

Mas vou limpar todo esse abandono
Plantar e regar as raízes de ti
Florescer-te nos perfumes que senti

É hora de sementeira neste Outono
Augúrio da Primavera farta qu'entrono
Rainha do reino de mim, senhora de si

Foto: Linz Pflasterspektakel

Terça-feira, Novembro 01, 2005

Quinto Elemento

Trago preso nos lábios o vento
Que sai soprado dos teus
E a brisa que me toca o rosto
Amarga-me a sal no adeus

Trago preso no corpo o vulcão
de que és fogo, cinzas e lava
Queimas-me o peito nas horas
Da saudade que em mim se crava.

És terra da sepultura fria
Em que minha esperança morre
Nas noites que me não dás luar

E és a àgua que a sede me sacia
Mesmo na lágrima que escorre
Nos dias que não queres raiar
.


Foto: Dennis Mecham




Rainha no Silêncio

Reinavas
Reinavas no silêncio
Não necessitavas de voz
As palavras, as tuas palavras...
Gritavam-te do olhar
Como se sempre houvessem sido ditas
E eu sempre as tivesse escutado
O teu silêncio falava-me.

Reinavas
Reinavas no mistério da voz
Cujo timbre eu nunca ouvira,
E era doce a tua voz
Nas palavras que não dizias,
Mas que me enchiam a vida
De vida.
O teu silêncio preenchia-me!

Reinavas
Reinavas nos gestos delicados
Que teu olhar completava
Qual bailarina russa
Cujo olhar persegue
O lânguido gesto da mão
Com quem fala
Em silêncio
O teu silêncio era a tua voz

Reinavas
Reinavas em todos os momentos
Em que a minha ausência
Se encontrava em ti
Qual borboleta perdida
Em busca da única flor
Capaz de a alimentar
E o teu silêncio alimentava-me

E ainda Reinas
Reinas em todos os silêncios
Que o tempo me permite
E que ninguém quebra
Qual doce sonho
Que se espera continuar
Na noite seguinte
E o teu silêncio dá-me essa esperança.

Foto: Lin Pflasterspektakel

Segunda-feira, Outubro 31, 2005




Teu Tango é Meu Fado


"Alcoba Azul

La noche ira sin prisa de nostalgia
Habrá de ser un tango nuestra herida
Un acordeón sangriento nuestas almas
Seremos esta noche todo el día

Vuelve a mí
Ámame sin luz
En nuestra alcoba azul
Donde no hubo sol para nosotros

Ciégame
Mata mi corazón
En nuestra alcoba azul
Mi Amor"(#)

A noite só corre sem pressa a teu lado
Nascem rosas de sangue da tua ausência
Um xaile chora a negro as nossas penas
Trinadas toda a noite no nosso fado

Não me deixes
Sozinho neste mar
Nosso ninho d'ondas azul
Onde ambos aprendemos a navegar

Beija-me
Na alva espuma
Da ultima onda azul
Meu amor

© Abílio M. Bandeira Cardoso



(#) "Alcoba Azul (Tango)"
Music by Elliot Goldenthal
Lyrics by Hernán Bravo Varela
Performed by Lila Downs


Foto: Tango Argentino


Há musicas que nos marcam como garras
Tocam, graves, nas cordas do pensamento
Carregam-nos nos tempos em que o vento
Foi suave brisa, sopradas soltas parras

Da ingenuidade dedilhada nas amarras,
Que se prendem nos acordes do desalento,
Perdida p'ra sempre... ganha n'outro momento
Em que a musica se solta das guitarras

Há musicas que se nos cravam no peito
Com garras que são punhais a fogo vivo
Que são luar das noites cheias evocativo

Há musicas que são silêncio desfeito
Em grito, surdo na dor de que é feito,
Há músicas que são mágoas em arquivo...

Foto:MICHAL MACKU

Domingo, Outubro 30, 2005



As Pedras Também Falam

Perdido na nocturna escuridão
Entre vozes que não conhecia,
Vozes àsperas subidas do chão
No rude timbre da pedra fria

As vozes cercam-me de dor
Passados qu'eu nao quero escutar
Fujo veloz desse gélido rumor
Perco-me antes de me encontrar

Falam de dores suas que são minhas
Gritam o que eu me escuso a sentir
- Lápide do desassossego que caminhas
Cala-te que não mais te quero ouvir!

Pedras frias só falam de coisas mortas
Pedras soltas onde tropeço ou escorrego
Vocábulos negros abertos nas alvas portas
Marmóreas, sepulcro em que me fecho e nego

As pedras também falam. Não sabias?
Falam de nós próprios, ecos d'alma
Por isso elas são tão duras e frias
E quando nos acolhem jazem calma.

Fingimos não ouvi-las, sentados apenas,
N'aspereza do banco que também é voz
Mas elas falam, são rumores de penas,
Rosários da consciência escondida de nós

Um dia vou deixá-las falar até ao fim
Talvez me encontre onde me perdi !
Talvez alguma delas saiba de mim
E no mármore, a negro, diga que vivi...


Foto: de Northstar gallery




A Linguagem das Pedras

Eu sonho com uma nova linguagem
Capaz de exprimir todos os sentidos
Fonemas da alma, sintaxe perdida

Um linguagem simples, sem linhagem
Agreste como penedos ao vento batidos
Substantivos novos cheios de vida

Eu sonho, sonho... e volto a sonhar
Nesses novos sons que não sei traduzir
E que tão bem sei o querem dizer...

É uma linguagem simples como respirar
Conceitos simples que brotam do sentir
Que crescem na alma antes da boca encher

Nesses sonhos sem fim durmo sem medo
Embalado por coros dum novo dizer
Que se nao ouvem se não for no coração

Vozes de gente que vive, sem segredo
Que não seja o de somente viver,
Almas felizes em poderosa nação

Nesses sonhos sem fim só há verdade
Pois só as palavras são inventadas
Nas vozes das gentes em que sorrio

Linguagem pura, isenta de vaidade,
Aprendida no som das pedras roladas
Que na torrente se esmagam no rio



Foto: Steve McCurry

Sábado, Outubro 29, 2005


A noite está mais escura e mais fria
Meus olhos só prolongam essa escuridão
Não há palavras acesas, lenha d'agonia,
Das lareiras que o tempo queima em vao

Só cinzas desconstroem o castelo que via
Da torre de menagem dum forte d'algodão
Que também ficou negro à luz negra do dia
Ardendo em negras chamas de meu coração.

Horas negras que oro, catedral de solidão,
A um cristo negro pregado numa cruz vazia
Em que as minhas chagas gemem na melodia

Melodia de coros negros de que sou refrão
Ecoado na nave de silêncio onde és trovão.
Como é escura a noite... como é negro o dia!


Foto: Emil Schildt

Sexta-feira, Outubro 28, 2005



Pouso as mãos no teclado, quase Chopin
Fecho os olhos, subo o aperto de peito
Procuro a nota exacta.
Nem sempre a encontro.
Ela confunde-se entre várias notas certas
É necessária a nota exacta, só essa serve.
E as mãos começam a percorrer o teclado.
A nota solta-se...
Nada mais parará a sinfonia de palavras
Uma depois da outra: uma frase.
Uma atrás da outra: uma quadra.
Uma depois da outra: um poema.

As palavras tomam conta dos sentidos
E os sentidos flúem em palavras
Espirais de frases
Imparáveis
Que se sobrepõem à força das mãos
E dos pensamentos
Que são tão fortes quanto as emoções
Que as tocam
Que as provocam
E que as usam
E que não lhes bastam
E que não se bastam

Nota atrás de nota
Compasso sobre compasso
A sinfonia não pára
Toca no teclado
Toca na mente
Toca no peito
E é uma orquestra.
Os dedos
As ilusões
Os sentimentos
As dores
A ansiedade
O coração
Todos tocam
Todos se tocam
Regidos pela vontade
Encontrada na primeira nota
E que não acaba
Não quer acabar
Porque há sempre mais uma palavra
Uma frase
Um pensamento
A dizer...

E as notas soltas
Prendem-se nos momentos
da composição...

E as palavras soltas
Desprendem-se nos pensamentos
De toda a emoção

E tudo é musica e poesia



Foto: Suzanne Broughel



Cheira o silêncio
De olhos vendados
E os gritos de cor
Em mim tacteados

Sabe-me grãos de sal
Que o corpo me escorre
Bebe-me beijos ao sol
Come-me a sede que morre

Solta-te odores de sexo
Em campos de trigo maduro
Descobre-me corpo pudor
Suga tudo o que murmuro

E beija-me outra e outra vez
Faz-me vir ao mundo dos sentidos
Solta-me todos os suspiros
Que negados tenho escondidos

Atira-me ao lago de teus braços
Deixa-me nadar nos teus mares
Afoga-me gritos de solidao
Deseja-me como desejares

Quando nossos olhos desvendares
Veremos dois seres sem pudor
Presos no cansaço da ceara
Em soltos rios do feito amor

E ofegando tremuras de prazer
O silêncio em gemidos esgotado
Não terá mais espaço entre nós
No som d'último beijo quebrado

Foto:Karen Kuehn

Quinta-feira, Outubro 27, 2005



A um anjo " encandescente "

Se deixasses de escrever, meus olhos se apagariam:
É atraves de tua boca que eu vejo!
É nas tuas palavras que o meu mundo gira
Em voltas suaves e em torno do nada
Prenhe das esperanças que nele copulas.
Se deixasses de escrever, prosa ou poesia...
Nada mais existiria
E minh'alma era morta
Sem sono e sem voz
Prenhe de nada


Foto de autor desconhecido



Oração do Fim do Mundo

E se eu abrir as mãos? O que acontece?
Apagarei os astros? Cairão anjos estrelados?
Perderei a noite que meu olhar escurece?
Ouvir-se-ão trovões de deuses esconjurados?

E se eu bater palmas durante minha prece?
Soltar-se-ão os Homens armados soldados?
Cairá o mundo nas trevas que cresce?
Morrerão crianças à sombra da fome deitados?

Se minhas mãos se abrirem tudo fica igual
Todas as catastrofes existem no mundo real
Nada posso evitar que não seja ilusão...

Mas vou apertar as mãos com força brutal
E nelas colocarei todo o meu coração
Sei que nada mudará, fica a oração...



Foto: Steve McCurry




És meu rio sagrado, és meu templo de vida
Em flores a ti me lanço, em oração...
Em incensos respiras-me na boca perdida
Da fome que só em ti encontra o pão

És meu Ganges imundo, pureza escondida
Que em putrefactas preces de adoração
Sólida, purificas minh’alma impedida.
Líquida pureza, jorrada fé de contrição.

A crença nocturna em velas acesa
Liberto nas águas que prendo nas horas
Dos olhares húmidos mais puros que choras

É no teu corpo - lótus florescida , a beleza ,
Rainha do éden - a que minha alma princesa
Se curva nos ritos dos mitos a que oras.

Foto: Steve McCurry





Neste corpo em que a alma emerge ainda
Confundindo-se na tua em abismos de cor
Descanso em cinzentos silencios de dor
Apago-me em brancos pálidos de vinda

Nesta alma, da tua eterno seguimento,
E que me escapa pela ponta dos dedos
Revelas-te em gotas suadas do momento
Penetrando-te em todos teus segredos

Os segredos teus e meus partilhados
Abrem-se nos malmequeres orvalhados
Fecham-se na cumplicidade da entrega

Meus olhos em teus seios abandonados

Tua voz foge-me e a palavra cega
Quando minh'alma no teu corpo sossega

Foto: MICHAL MACKU

Quarta-feira, Outubro 26, 2005



Maternidade

Ser mãe é ser infinito
É carregar no ventre a Lua
E é soltar todo o Luar
No beijo pousado com o olhar
Na cria que é a sua.

Ser mãe é ser maior
Maior que o sonho irreal
Maior que o espaço universal.
É um não mais acabar
De sentimentos a despertar.
É viver todas as vidas
Que ao mundo acaba por dar

Ser mãe é ser... sempre mãe!
Quando não carrega o filho no ventre
Carrega-o no peito.
Quando já não o amamenta
Carrega-o no coração.

Ser mãe é ser amor
Ser mãe é prescindir da dor
Da dor que é sua:
A dor do filho arde-lhe mais!...


Foto: Denis Mecham


Hoje Inês morreu-me nos braços
E Pedro não chorou juras eternas
Nem se partiram corações em pedaços
Em apagadas procissões de lanternas

Hoje Inês finou-se em pias cavernas
Abandonou fontes em belos espaços
Limitou-se a perder força nas pernas
Soltando rosas nos nossos regaços

Segurei Inês com porte firme e fiel
Nem com uma lágrima lhe aqueci o peito
Nem chamei Pedro num grito imperfeito

Já nenhuma história se escreve com mel
Nem há tumulos esculpidos a cinzel
E abandonei Inês sem lágrimas no leito



Até quando?

Até quando o sonho me adormecerá no colo?
E, em sobressalto, acordará em pesadelo?
Até quando o luar terá toda a cor do gelo?
Até quando o luar terá cor de desconsolo?

Todas as promessas partem e rolam no solo
Como contas de sangue dum rosário que velo.
Todos os "agoras" tardam ou no tempo protelo
E em todos os "nunca mais" ainda vivo me imolo

Quem vive na angústia do desistir de amar
Prometendo que o choro é mesmo de enterro
E o som das lagrimas sinos de funeral

Acaba por, só, morrer perdido no mar
E na espuma das ondas descobrir o erro.
E o azul do mar saber-lhe apenas a sal...

Terça-feira, Outubro 25, 2005




Não hoje! Hoje não me deixes só.
Hoje eu quero agarrar-te a mão
Prender-te o olhar na emoção
Das minhas palavras sem nó

Não hoje! Não quero a luz apagada
Quero ouvir-te respirar no ouvido
Não quero ficar aqui escondido
A ver a noite passar... e mais nada

Não quero passear sozinho no escuro
Ver um só reflexo no espelho d'água
Ouvir murmuros da dor que murmuro

Estou cansado de me tolher na frágua
Quero rir, deixar de ser sussurro
E afogar em alegria toda a mágoa.

Segunda-feira, Outubro 24, 2005




"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já..."
...
(Pablo Neruda)

Discordando sem sentido... ou sem sentidos....

Saudade é o vazio de alma que ninguem pode preencher
É o vazio deixado por quem já nao existe...
A nao ser nesse vazio...

Quem parte nao voltará a ser o mesmo...
Ainda que volte... trará consigo a ausência..
A ausência que deixou...

E nessa ausência marcada...
Viverá a solidão...
Mesmo que acompanhada...

E é nessa solidão acompanhada
Que a verdadeira saudade vive:
Porque é uma saudade própria...
De nós mesmos...
Do que fomos...
Do que acreditámos...
Do que já não somos mais capazes de ser...
Porque nos falta a ingenuidade...
(Aquela ingenuidade pueril
Que nos faz aceder a um sentimento
Sem o questionar...)

Bem-aventurados os que creem sem ver
Porque deles é o reino da infinitude do ser
E do sentir...

E do amar...

A saudade é solidão acompanhada
Acompanhada de todas as dores sentidas...
Acompanhada de todas as promessas quebradas
Acompanhada de todo o ódio que já foi amor
...E de todo o amor que já foi ódio
E às vezes acompanhada de nada...
A não ser de um lágrima que foge
De um suspiro que escapa...
Ou de um pensamento que se recusa...

E nessa luta entre solidão e companhia
A saudade vive em agonia
Ficando só na solidão....

Sexta-feira, Outubro 21, 2005




"Vide Cor Meum"

Olho profundo no teu olhar
Nesse olhar d'agua pleno
Evaporada do teu peito
Aquecida pelas dores que nele queimam
Pelas angustias que o fazem ferver
Pelos medos escaldados...
Lágrimas evaporadas sofocadas
Que se soltam sem querer
Te afagam o rosto
(Como eu o queria afagar com as mãos)
E te beijam o queixo
Abandonando-o
Em nova lágrima
"Vide Cor tuum"


No teu olhar vejo teu coração
E nas lágrimas que te abandonam o queixo,
E que seco com meu rosto,
Vejo as penas... as penas dolorosas...
Que te impedem de voar...
Que te amarram as asas...
Que te fazem despenhar no chão
Pelo peso do teu coração...
"Vide Cor Tuum"

"Vide Cor Meum..."
Vê o meu coração olha-lhe o bombear
É apenas por ti que ele bate
Mantendo-me vivo!
É por ti que todo o sangue me corre nas veias
Queimando-me todo o corpo nesse sentimento
Nessa ansiedade de te ver
E te tocar!
Limpando-te todas as lágrimas que nao provoco
Mas conforto...
Secando-te todas as lágrimas que de ti escorrem
E que me doem
E queimam como se fossem... minhas
E são! Porque te as aparo nos beijos...
Nos beijos que imagino...
E que guardo...
"Vide Cor Meum"
Vê o meu coração





A natureza veste-se de cor para a morte
Assume vermelhos, castanhos e amarelos
Assume os seus tons caídos mais belos
Despede-se da vida numa dança forte

Entre folhas voadas rumo sem norte
Imagino teu corpo afagado em singelos
cair de folhas, com que construo castelos...
Muralhadas torres de que és contraforte

Vem, segreda-me cores do universo
Que a natureza pinta com magia
Na sua morte em tons de alegria...

Vem amar-me nas folhas imerso
Vem atirar-me folhas em verso
E da tua boca dá-me toda a poesia

Quinta-feira, Outubro 20, 2005




Terra da terra


Meus ossos, meros arcos da ponte
Entre a carne e a alma agonizada

Minha carne, mera passagem
Entre a terra que a come
E as nuvens que a ignoram

Minha alma, mera invisibilidade
Entre o ontem e o agora
Entre o agora e o nunca
Entre o amanhã e o sempre
Alma que não é ponte... é estrada
Caminho térreo...
Entre a luta e a desistência
Entre a desistência e o começar de novo
Entre o sonho e o esquecimento
Entre o esquecimento e a realidade
Apenas ignorada

Eu; corpo, alma e sangue
Vivo, entre as fronteiras absolutas
Do eu e da minha negação
Da terra nasci... e ...
Sou lama...

Terça-feira, Outubro 18, 2005




O Menino Que Sonhava...

Sonhava ser pão e foi bomba
Rebentada em mil estilhaços
Levando consigo as carcaças
D'outros pães em mil pedaços
Ao forno inferno sem pomba

Sonhou ser forte, ser bravo
Dono d'um império inteiro
Ser médico, pintor, advogado
Só lhe deixaram ser guerreiro
E d'uma guerra ser escravo

Sonhou ser Deus, ser heroi
E é tudo o que não quis
A ferida que n'outros abre
Marca-lhe o rosto, infeliz
E é na sua alma que doi...

Sonhou ser tanto, mas tanto
Sonhou ser tudo e é nada
Escondido nas sombras do medo
Nem a morte lhe é revelada
Nem a vida lhe causa pranto

Sonhou ser poeta sensivel
E no Homem ter esperança
E nem sabe se está vivo!
Se é homem ou criança!
Se outro viver é possivel...!

Já não é capaz de sonhar
A morte dorme-lhe ao lado
O sono acorda-o em sobressalto
A vida nao tem significado..
- Acorda! Tens de matar!



Hoje não me apetece escrever
Apetece-me deixar as ideias livres,
Os pensamentos voar...
Não os aprisionar em palavras
E frases ...
Que nunca alcançam o conteúdo perfeito.


Vou pensar amor ...
Libertá-lo...
Não sou capaz de o escrever.

Segunda-feira, Outubro 17, 2005





Descalço sobre a pedra fria
Pé ante pé, sem destino ou morada
Em cada passo apenas passa um dia
A cada dia passa um passo, mais nada

Descalço sobre a pedra gasta
De outros passos também perdidos
De outros pés que a pedra afasta
Mas nela ficam sempre rompidos...

Descalço sem horas marcadas
Desço degraus e subo escadas
Passo ante passo... passo por mim

Nos passos passados perco o futuro
Nos passos d'agora o passado murmuro
Sem saber a quantos passos passa o fim

Domingo, Outubro 16, 2005




Menina do Balancé


Lembro a primeira vez que te vi
Chorava por ver minha mãe sair
Tu choravas por ver tua mãe partir
Mas metade do meu choro foi por ti...
Primeiro dia de escola... ah aventura!
Tantas primeiras vezes... que tortura
Nem sabia o que era amor
Nem sabia que era possível
Só sentia uma espécie de dor
Um aperto no peito, indescritível,
Ao lado de meu coração indeiscente...

Ainda sinto o cheiro do pau de giz
E das batas brancas... no meu nariz

Lembro-me como, nos balancés, pedias
Que te empurrasse mais alto e mais forte
Para que tocasses o sol que sentias
Eu sorria... era feliz... tanta sorte!
Tocar-te nesses empurrões era tanto
Sentir o teu cheiro na deslocação d'ar
Ver-te sorrir e ouvir-te gritar:
"Empurra mais..." Meu encanto!
E eu empurrava,... com força valente!

Ainda sinto o som outonal das folhas a cair
E no balancé...oiço-te rir...

Tantos anos passamos tão perto
Fizemo-nos belos adolescentes
O que eu sentia estava tão certo
Mesmo nos sonhos mais indecentes...
Mas nunca te disse... eras intocável
Mesmo para mim... que te sonhava
E lembrava o tempo que te empurrava
Naquele balancé no tempo imparável
Paixão de minha paixão permanente...

Ainda sinto o sabor do primeiro cigarro
Partilhado nos lábios, é teu sabor que agarro...

Tornamo-nos adultos, faculdade, doutores
Sempre perto e cada vez mais distantes
Conhecemos outras pessoas e outros sabores
Mas nenhum igual ao que senti antes...
O sabor dos lábios no cigarro partilhado
O sabor a ti igual ao de mais ninguém
É esse sabor que à memória sempre vem
Quando outra boca tenho beijado
O teu sabor será sempre diferente

Ainda sinto o calor de todas as namoradas
Nos beijos que te dei em suas bocas molhadas


Nunca te disse nada do que sentia
Se te tivesse... jamais te teria
Tão bem te conheço e não és real...
És a menina do balancé, o meu ideal
És a adolescente que fuma o meu cigarro
E só assim tocas na minha boca
És o corpo que noutra eu agarro
E me foge quando meu olhar lhe toca
Se te tivesse perdia-te de repente...

Assim serás sempre minha, na minha ilusão
Com toda esta história de recordação...

Sábado, Outubro 15, 2005





Senta-te, vem sentar-te a meu lado
Ouve as palavras que sempre impedi
Para nao magoar, ou por estar magoado
Queimaram-me a garganta, escondias de ti

Ouve, ouve-as com alma bem presente
Liberta de todos os teus conceitos
Engasgadas num corpo descrente
Estas palavras sao sonhos desfeitos:

A ti me prendi, invisiveis grilhoes
Correntes de amor de forte metal
Aprisionaram meu eu a ponto tal
Que eu nao fui eu...mil ilusões

A minha vida entregava-ta nas mãos
Minha morte seria um quarto de lua
Entre a vida e morte: sonhos vãos
Nenhuma vida importava como a tua

E assim preso, como que escuridão
Vejo agora na nitidez desta calma
A diferença que é agarrar a mão
Da diferença que foi acorrentar a alma

Chora minhas lágrimas mais um pouco
Como choramos no momento da partida
Porque hoje, meu amor, já não louco,
Ainda por ti daria a minha vida


Pedro e Inês pela Companhia Nacional de Bailado


A Fonte Eterna

Nas Lágrimas, serão rosas, será dor,
Que o vermelho da fonte perpetua?
Vivo sangue escorrido do amor
Vivo amor ceifado a faca crua..

Acorda Inês, recebe o meu calor
Recolhe a minha vida, fá-la tua
Nas àguas desta fonte em clamor
Fonte de dor que toda dor fez sua..

Fala Inês, nas lágrimas encarnadas
Fala nas àguas pra sempre soluçadas
Ou no seu brilho que é teu olhar

Diz ao mundo como eterno é teu amar
Nas lágrimas doces de amor brotadas
No eterno sangue d'almas separadas ...








Oração

Estarei sempre aqui.
Mesmo quando não estiver..
Quando os meus passos se afastarem
Deixarei minha mão no teu ombro.
Quando meus olhos se fecharem
Meus ouvidos estarão atentos.
Quando nada fizer sentido
Minha mão estará sobre a tua.
E quando não existir
E a noite for escura
Pousarei no teu rosto
Um beijo ... num raio de lua.

Quinta-feira, Outubro 13, 2005





Palavras são gente

Palavras são gente
Gente que escreves
Gente que leio
Gente que salta do papel
Gente livre
Gente presa em frases
Gente solta em versos
...e poemas
Gente poemas
Umas propositadamente tristes
Outras carregadas de adjectivos
Catapultadoras para realidades ansiadas,
Para amores perpétuos ancorados em paixão
Gente que se contorce de dor
Gente que morre e vive sem pontuação
Gente aspejada em quimeras
Gente que luta
Ri e chora
...e chora
Em virgulas que são lágrimas
Soltas em reticenciados apertos de peito
Não ditos nas palavras que com jeito
Se afagam na voz que não cala,
Mas grita em breve omissão...
E as palavras dançam
Trocam passos entre si
Brincam a frases eternas
Apenas pela vontade de serem escritas
Tantas vezes em fins adiados
A que o poeta não consegue pôr cobro
Porque elas lhe saltam dos dedos
Lhe saltam do pensamento
E lhe conduzem a vontade.
E nesta luta
Entre fim e pensamento
Entre palavra e ponto final
A gente é mero papel
Que alguem escreve..
Que alguem lê...



Para alguém que me recolhe no seu tempo, a quem bebo o seu
Erotismo na Cidade e cujas palavras agradeço, ansioso pelo próximo ano...





Todos os nossos passos nos afastam
As folhas de Outono apagam o rasto
sepultando, uma a uma em manto vasto,
As pégadas tristes que nos desgastam

Nosso caminho foi o mesmo no verão
Teus passos e os meus no mesmo chão...

Ainda vejo marcadas no verde pasto,
Margaridas são nossas pégadas juntas,
Todas as caricias de tuas perguntas
Apagadas nas perguntas em que me gasto

Não sei onde nosso trilho se perdeu
Se foi no meu coração ou no teu...

Ainda vejo nossos corpos marcados
Nas ervas altas, marcas de saudade,
Marcas vazias da nossa ingenuidade,
Em chãos duros para sempre apagados

Não sei o que nossas marcas apagou
Se o tempo, se o vento que passou...

Nas primaveras nossas marcas lá estao,
Fosseis que o inverno não deixa ver,
Só as margaridas as deixam aparecer
Em alvos tons de saudade no chão...

Não sei o que nossas marcas eterniza
Se o chão, ou saudade soprada na brisa

Às vezes quero esse chão sempre apagado
Sem que as marcas me marquem o peito
Com o ferro de fogo que marcam o leito
Do tempo de amor marcado a teu lado...

Não sei o que nossas marcas alimenta
Se a tua calma, se a minha tormenta...

Sei que quando nossos corpos perecerem
E nossas cinzas voarem livres ao vento
Se juntarão nessas marcas para sustento
Das margaridas que nelas nascerem...

Não sei o que sempre nos faz juntar
Se a saudade, se o que faltou marcar...

E um dia, já mortos, e à luz da lua,
Em espirito vagueando naquele prado,
dar-te-ei margaridas do chao marcado
e marcarei uma pégada atras da tua...

Não sei o que me provoca mais dor
Se o amor apagado, se as marcas desse amor...

Terça-feira, Outubro 11, 2005




Se eu pudesse beijaria todo o sal
Que de teus olhos fiz saltar
Pedras, grandes cristais de dor
Sempre achei que a dor era toda minha
Nem reparei o quanto minha dor te doía
O quanto minhas lágrimas te queimavam o rosto
E que as olheiras que tinhas...
Eram minhas...


Se eu pudesse beijava-te as mãos
As mãos que disfarçaram todas as lágrimas
Para que eu as não visse rolar
Das fontes da minha dor
Até ao teu queixo
Nem reparei que essas lágrimas... que eu não vi...
Tinham o meu nome...
Mas cujo brilho
Era retirado do brilho de teu olhar
Porque as minhas dores..
Não eram apenas minhas....


Se eu pudesse enxugava todas essas lágrimas
Com o calor do meu coração
Com o carinho que ainda me resta
Com os beijos que meus secos lábios podem dar
Com o último sopro que minha alma suporta
E com a as minhas lagrimas já secas,
Já destituidas de toda a humidade
da vida...
Mas nem minhas lágrimas
São apenas minhas....




Hoje meus olhos nao gravaram teu olhar
E na angustia minha alma ficou cativa
Teus olhos n'outros olhos, sem reparar
Que o meu peito ardia em ferida viva

Hoje teus olhos não me vieram beijar
neles, meus morreram em expectativa
E quando eles os meus vieram procurar
Eu escondia uma lagrima furtiva

Que teu olhar o meu já nao pedia
pensei ao ve-lo noutro encontrado
enquanto minha lágrima escorria

E que meu olhar o teu não queria
pensaste de meu olhar afastado,
que apenas uma lágrima escondia..





As minhas mãos...as minhas mãos...
detêm torrentes de contrariedades
perdem arenosos punhados de vontades
Silenciam, em gestos, alguns dos meus nãos
Tudo nas minhas mãos...

As minhas mãos...quantas vezes as minhas mãos
Te seguram firmemente para que eu nao caia...?
Trancam portas de mim para que eu nao saia
De minhas vontades e abortivos desejos vãos
Tudo nas minhas mãos...

As minhas mãos...quantas vezes seguram as tuas!...
E prometem celebrar-te em estranhos rituais
Inventados por extintas tribos, povos irreais
E que ardem em si mesmas em chamas nuas
Tudo nas minhas mãos...

As minhas mãos... vazias do mais puro de ti
Prenhes do desejo das caricias quentes
que sempre permites, no amor que sentes,
a meus dedos impios, que eu não senti
Tudo nas minhas mãos

As minhas mãos...mãos cheias de impudor
Limitadas ao efémero desejo animal
Nunca viram que o que davas era amor
e que sempre se quiseram vazias, afinal
Tudo nas minhas mãos...
Nada nas minhas mãos...




Quando corpus morietur


Quando tudo se apagar, quando o corpo morrer
Quando já nada contar, quando a alma for ausente
Quando nada se ouvir e o silencio se não entender
Pálido, estarei longe de ti ... pálido, à tua frente

Quando a alma não sangrar e o corpo nao doer
Quando teus olhos me fecharem lentamente
Quando minha boca nao te desejar receber
Tão longe estarei de ti, aquedado e indiferente

Quando o corpo morrer nada mais existirá
Nem anjos ao paraíso me acompanharão
Só o frio da terra ao meu frio se juntará!

Tudo terá acabado no escuro dum caixão

Que no vazio do esquecimento se enterrará...
Só a imagem do que fui te afagará no coração...

Segunda-feira, Outubro 10, 2005

Ergui as asas,...era altura de voar,
Apontei-as ao infinito, e de infinito enchi a alma
Sete fortes batimentos no silêncio ...e eu era ar
Mais leve que a vontade que me impulsiona
Mais leve que as razões que me puxam ao chão
Sete fortes batimentos e nada me prende
Nem os grilhões invisiveis dos pensamentos
Nem as correntes descendentes das emoções
Sete fortes batimentos e sou céu
E até as lágrimas serão apenas orvalho
Amanhã de manhã, sobre uma rosa sem cor
Sete fortes batimentos e sou ave
Pássaro de coração tão solto como o vento
Que me toca de ambos os lados das penas
E me puxa e me empurra, sem sentido, mas livre...
Sete fortes batimentos e sou partida
Um adeus sem um olhar oposto à chegada
Um adeus sem pressa de partir ou de chegar
Nada mais fica e nada me espera
Sete fortes batimentos e sou nada

Sábado, Outubro 08, 2005

Eu, pernada de tronco do abismo
Lanço-te meus braços absolutos
Cimentados em direcção a ti.
Mais nada me pode chegar...
Pois que sequem!
E gelem assim apontados!
E se houver de morrer
Que eles simbolizem meu querer
Até que meu tronco se derrube
E num imortal abraço
Caia sobre ti.
E que nossas cinzas se confundam
E se misturem na eternidade.
E que delas se alimentem novos seres,
Produto de nós dois
Unindo-nos nas gerações
Que outros braços queiram tocar.
Se a vida nos deixou presos
A raízes ou segredos
A medos ou distâncias
Que a morte nos sossegue
e meu corpo no teu se entregue...


E eu, pernada que no vento espero
Por só naquele sopro te tocar,
Espero teu abraço no tempo...
E de tua boca anseio
Apenas palavras
Que são tudo por ora
O que na minha posso receber...
Desejo a morte em qualquer hora
Com ou sem luar
Na alvorada ou no ocaso
Teus braços são tudo o que quero
Num abraço
Meu corpo ao teu juntar...
Vem e cai sobre mim
Que a demora me consome
Num tempo que nao é nosso
Que nos impede de ficar
Que nos impede de beijar
Que nos afasta presos a raízes
Que apenas nossa vida mantêm
E nos impedem de tombar.
Deixemos nossas raízes morrer
Para que num sopro de mar
Eu caia sobre ti
Ou num suspiro de montanha
Teu corpo no meu se despenhe...



ESPERA


Exponho minhas carnes ao acaso.
Estendo minhas mãos vazias ao nada.
Espero que a chuva traga gotas de desejo,
Dum desejo que nasce no fundo da barriga
Aquece... sobe
E nos toma conta dos sentidos.
Espero que cada gota me caia na pele
E queime...
Como se fossem os teus dedos
Percorrendo meu corpo.
Espero que cada gota me molhe
Como se fosse a tua saliva
Solta na minha boca.
Espero que cada gota me tome
E se junte a outras gotas
Em enchorradas de ti.
Espero que cada gota me salpique,
Após cada embate em mim,
E se transforme em mil pequenas gotas
Que refresquem cada soma de ansiedade.
E espero que venha o sol
E as evapore em neblina ascendente
Pelos vales do meu desespero
Subindo as montanhas da minha solidão
E se condense bem lá no alto
Em humidade nas urzes
Que lhes escorra às raízes
Obrigando-as a florir...
E espero o perfume dessas flores
Arrastado ao vento
Pelo vale da minha inexistência
Enchendo-o de aromas de mim.
Assim saberei que existo
E que as gotas que tocam a minha pele
São reais
E que as mãos que estendo,
Não as estendo ao nada,
Estendo-as aos meus aromas,
Encho-as de mim
Alimentando minhas carnes, expostas
Não ao acaso,
Mas a ti...




E o poeta nao disse ...

Gritou no silencio
Tudo o que pediste
Não omitiu sequer o que te chocava
Despiu-se das moralidades
Despiu-te dos pudores
E gritou como nunca.
A voz ecoou no silêncio
Dos surdos de vida
Dos que se recusam a falar
Dos que se recusam a escutar
Foi uma voz mágica
Apenas os puros de alma a ouviram.
E pasmaram.
Nunca alguém tinha gritado o que nao disse
Nunca alguém tinha ousado gritar, sequer
Mas o poeta no silêncio fez-se ouvir:
Reinventou palavras
Reinventou frases
Reinventou conceitos,
Discutiveis!
...Mas reinventou
E só os puros de alma o ouviram
E segredaram entre si....
Discutiram os gritos no silencio do poeta
Os significados e significandos
Os conceitos, palavras e frases
Os silêncios, pausas e omissões
E a oportunidade de tudo.
E o poeta assistia!
E no seu silêncio deu-lhe um nome,
chamou-lhe "CORAGEM",
E os puros de alma repetiram para que nao mais esquecessem:
coragem, coragem, coragem.
E na palavra viveu
Aquele que no silêncio escreveu

Sexta-feira, Outubro 07, 2005





Perdido nas horas
nos ponteiros que são braços
de uma prostituta que dança
e que não param
Avançam pressas que nao existem
Tic tac..tic...tac...
O tempo não volta e tenho de me desprender
rasgar-me desses abraços que sao ponteiros
perder-me noutros ponteiros.. noutros tempos
...noutros compassos...
Tic... tac...
Perder-me todas as vezes necessárias
...para me encontar
Tic... tac...
Subrir as escadas do vento e despenhar-me
como ultima rosa sobre uma caixão
que entra na terra e se confunde com ela
Tic...tac...
Partir sem olhar para tras
apenas ficam ponteiros
e numeros
e momentos
Tic...tac...
à frente ficam voltas e voltas
num relógio infinito
que não para
nem um segundo
nem um ponteiro
tic...tac...
Procuro novas tabernas
enebrio-me no vinho do esquecimento
apalpo franjas de xaile soltas
que se prendem a vidas sem pudor
...como a minha
Tic...tac...
Danço breves passos em calçadas gastas
canto novos fados em cordas gastas
sinto espasmos de prazer em camas gastas
fundo-me entre pernas gastas
perco-me em horas gastas
e choro... lágrimas... gastas
Tic...Tac...
Um novo dia e novos passos
pelas calçadas do costume
com os sapatos do costume
nas horas do costume
Tic..tac..
O tempo é uma máquina infernal
que nos aprisiona
que nos acorrenta à rotina
e nos puxa
e nos empurra
ao som de ponteiros que nem sempre escolhemos
...e nos desgasta
Tic...tac...
Tudo se resume a amor e sucesso
um amor cada vez mais facil
um sucesso cada vez mais dificil
Tic..tac...
Os ponteiros empurram-nos para camas
faceis, corrompidas, apressadas...
ou aprisionadas a outras rotinas de amor e sucesso
Tic ...Tac...
Não há tempo
abreviam-se seduções
abreviam-se rosas
abreviam-se copos de vinho à luz de velas
Abreviam-se fusões de corpos
em rápidos orgasmos
proporcionados por rápidas aberturas de braguilhas
e outras tantas aberturas de pernas
cujos joelhos teimam em facilmente se separar
Tic...tac...
Perde-se magia
cedem-se momentos
a favor dum sucesso
que nao liberta
mas prende
acorrenta em voltas repetidas de ponteiros
e aguilhotina toda a a magia
da vida
Tic...tac..tic...tac...





Em tuas mãos veio uma rosa elaborada
Um rosa cravada de espinhos de vida
Rosa sem espinhos é somente nada
Espinho sem rosa é somente ferida

Em tuas mãos, rosa completa encarnada,
Entregue no charme da magia conseguida
Recebida no desejo da magia despertada,
As pétalas contam uma história vencida

Cada pétala um momento solto num beijo
a outro momento preso até ser flor
Momentos são pétalas da rosa que vejo

Semeada nas dificuldades de um brejo
Floresce bebendo, do sangue, a cor
Única... desta Rosa do Desejo...




Quarta-feira, Outubro 05, 2005





Na noite procuras estrelas de sorte,
pequenos pontos luminosos na escuridão
rouxinol de asa quebrada canta forte
espalha tua voz à escura imensidão

Asa quebrada, bem sabes que a morte
te espera na fome ou na solidão
abre tua voz quanto teu peito suporte
e que em teu canto fique eterna paixão

Canta mais forte e com mais confiança
Tua voz num coração vazio vai ecoar
enchendo-o de musica e segurança...

E no fim, quando o silêncio reinar
tua voz viverá em qualquer lembrança
de alguém que, chorando, te ouviu cantar

Terça-feira, Outubro 04, 2005


Rosa branca, branca, plena do orvalho
que a madrugada em nossos corpos suou
o veludo de teus lábios, meu agasalho,
de mim o frio estéril do tempo levou

Rosa branca, meu fogo, meu borralho
acendeste o que a estrada da dor apagou
pétalas voaram por já esquecido atalho
e o meu peito teu sorriso despertou

Ah rosa de alvas esperanças de calor
suada em meu peito com gotas de amor
na serena e doce luz da madrugada

Ai rosa d' alvo espectro sonhador,
minha alma, de outros espinhos sangrada,
sarou nos doces picos da alvorada...

Sábado, Outubro 01, 2005




Às vezes no coração sopra-me a agonia
como se fossem rosas negras a desfolhar
Rosas negras que escurecem todo meu dia
Rosas negras que escurecem todo meu olhar

Às vezes a rosa de vida que eu queria
A rosa do desejo com que tendo a sonhar
é singela e cor de canto de cotovia
uma cor que invento so para te dar

E nessa rosa de desejo inventada
projecto tudo o que sonho para ti
e afirmo cores dum sorriso que perdi

Porque nessa rosa, meu desejo, sou nada
sou arvore de raiz solta e arrancada
sou sonho dum sonho que não vivi...




Fui-me perdendo nos passos, nos acordes e compassos desta musica... e dancei-a... com todos os que foram visitando estas páginas ao longo destes dias... Uns com passos breves, outros com passos demorados, arrastados, impulsionados, desistidos, recomeçados, mas todos com paixão:a paixão das palavras e dos momentos, dos sonhos e dos pensamentos, das ilusões e dos desenganos, das promessas e das realidades... e até da saudade...
A todos, com quem dancei, deixo uma rosa...a Rosa do Desejo.

Quarta-feira, Setembro 28, 2005



ULTIMO TANGO

Hoje dançarei meu último tango, à luz da lua,
dispo-me de todo o teu cheiro e, da canção
afasto teus compassos... com convicção!
danço uma musica que jamais será tua

Hoje tua sombra nao se verá no meu chão
Hoje danço novos passos, numa nova rua
sozinho, com passos breves, numa dança crua
desenho na calçada, a final, um coração...

Corro para casa, lavo-me, limpo-me de ti
escorre na àgua todo o teu fogo bravo...
todas as emoções que contigo...já esqueci!

Enterro-te no último tango que cavo...
No ultimo passo de tango onde te vivi
Não sentirás nem o punhal que cravo

Terça-feira, Setembro 27, 2005




Rasgou-se o céu num passo desfeito
na luz cruel vertida de tua janela
teus peitos esmagados noutro peito
eu na rua encarcerado , brutal cela

Sinto todo o odor emergente desse leito
como se essa cena fosse minha, e eu dela
minhas mãos moldam-te no vazio, perfeito
...outras maos correm teu corpo canela

Espeto-me no punhal forte desse ciume
Choro em raiva rouca, por outro respirar
todo o cheiro que libertas, doce perfume

Teu corpo no meu não voltará a dançar
mas queima-lo-á sempre como lume
em todos os passos que o Tango chorar

Segunda-feira, Setembro 26, 2005




Sabes? Às vezes sinto-me só e vazio
E até penso que todos deixaram de escutar
de se escutar a si mesmos no branco luar
que acorda... adormece ... acorda sem desafio

Sabes? Às vezes nem lembro daquele frio
que nasce no estomago com o aproximar
de alguém que se quer... que se quer beijar
e sobe nas faces em chama... sem pavio

Às vezes ja nao me lembro muito bem
de como se pega na mão de alguém
que se olha no olhar e se diz: "sou tão teu"

E às vezes acho que nao consigo dizer "vem"
Com medo de ver o que minh'alma sofreu
por alguem que há muito ... se perdeu...

Domingo, Setembro 25, 2005




Ardes-me no peito como fogo bravo
um calor que me chega a sofocar
nó de garganta com que nao sei lutar
luta de desejos que já nem travo

cedo no instante em que me cravo
em ti como punhal de raio de luar
que em teu cabelo sempre vai brilhar
cedo a tua boca no beijo escravo

Ardes como fogo e ferida aberta
num peito que se abre à hora certa
pra te recolher sem que dele hajas saído

Ardes em paixao de cinzas nao coberta
nada se extingue nem é diminuido
no fogo de amor... em desejo construído

Sábado, Setembro 24, 2005



Poderia dançar em teu corpo a toda a hora
conheço cada espasmo, cada movimento
cada vacilo, arrepio... estremecimento
Poderia dança-lo, rodopiá-lo mesmo agora

Poderia ser parte de ti pela vida fora
unir nossos corpos em cada filamento
nossos passos nao se trocam, sao seguimento
Nossa tarde nao anoitece, é sempre aurora

Cada beijo seria petala daquela rosa
que entre nossos lábios sempre se entrosa
e que em nossa boca sempre permanece

cada espinho seria uma lágrima preciosa
caída durante o beijo que eu te desse
por amor rolada e que jamais se esquece





Que a noite oiça toda a emoção
que este vermelho peito carrega
pudesse, ao luar, beijar a tal mão
que já só a esperança nao sonega

Cobriria de rosas vermelhas o chão
de toda a calçada dessa entrega
aos espinhos cravava-os no coração
para nao exagerar a alegria cega

Quantos sonhos morrem na dor
quanta ilusao se perde ao luar
quantos silencios ficam por gritar

Mas se é puro o desejo e o amor
Que doa o peito até o sol se pôr
e se espere, na lua,... o beijo por dar...

Sexta-feira, Setembro 23, 2005



Já nao oiço teus breves passos na calçada
e era neles que o meu coração se ouvia
nem vejo tua sombra em mim projectada
e era nela que minh' alma, feliz, se via

Já nao oiço teus risos na madrugada
descendo a rua que mais ninguem descia
o luar perdeu força, vejo mais nada
para lá da escuridao d'uma historia vazia

Às vezes ainda te oiço cantar... baixinho
teu cheiro surge e em mim permanece
espero... sorrio... nada mais acontece

Acho que é saudade que canta o carinho
que meu corpo quer e a alma nao esquece
E sinto teus lábios ... meu coração adormece...

Quarta-feira, Setembro 21, 2005



Paixao vermelha, de sanguinea flor
rasgada pelos espinhos do momento
que tome de meu sangue toda sua cor
e floresça nesse vermelho pigmento

Paixao vermelha, de tom arrebatador
o mais vermelho que consiga o pensamento
é só desse vermelho todo o meu calor
e nele meu coração segue o batimento

sem vermelho a vida é crua, sem sentido
com vermelho é fogo, forte e apaixonada
É pimenta, é lua de por do sol avermelhada

é vulcão, é magma em chamas vertido
é coraçao pequenino,... quase nada
num amor maior que a alvorada...

Terça-feira, Setembro 20, 2005



Fugi de ti e de mim fiquei ausente
corri na estrada, sem olhar pra trás.
ainda te ouvi gemer: " Não vás"
abandonei-nos, vazio, indiferente...

Procurara germinar, sem semente
num campo infertil e voraz
abraçado à poeira seca, incapaz
desfaleci o rosto na terra quente

fugido da frescura do teu olhar
encontrei-me no deserto do meu eu
moribundo nas bermas de meu nada

recordei vermelhos de teu dançar,
dos cinzentos de quem te bebeu,
enegrece e dança só... na calçada...

Quarta-feira, Setembro 14, 2005





Yo te contaré una historia
que de un dulce tango nasció
el traje rojo baila en mi memoria
su boca roja mi corazón robó

tango en una acera ilusoria
pasos en que mi alma se perdió
rojas rosas en tu boca de gloria
boca donde ese amor comenzó

una rosa por cada fuerte mirada
que parecía caerse del cielo
y quemaba cualquier alma helada

pasos fuertes, decididos de locura
que quitaron mi corazón del hielo
y hicieron de la acera mi sepultura




Amália, só em tua voz de prata
a alma deste país se conforta
outos cantam bem a cada porta
mas só tua janela nos arrebata

Canta-me um fado em serenata
de tua janela pra rua morta
papeis invertidos? que importa?
só tua voz meu silencio mata

Da-me um fado, um fado sofrido,
faz chorar as pedras da calçada,
com tua vermelha voz de morango

desce, vem dança-lo, destemido,
comigo em tua voz amargurada
nos passos breves do meu...Tango



Em teu lábios quentes me acendi
em tua boca de fogo me queimei
que importa toda a dor que sofri
se foi nesses beijos que eu amei

Entregaria outra vez só a ti
cada beijo, cada rosa que te dei.
Em cada beijo uma rosa te colhi
em cada rosa um beijo te entreguei

Que importam as lágrimas e a dor
as noites inteiras que nao dormi
e que na cama amanheci só... sem ti

Só em teus labios senti o calor
que acende a chama,... meu amor,
do amor que só contigo eu senti...

Terça-feira, Setembro 13, 2005



Da dor fiz um fado e cantei-o
com notas de ciume e pecado.
Desse amor, na dor mal amado,
criei um tango e dancei-o

Arrastei-me na agonia e chorei-o
em passos viris... sofocado
A rosa qu'em teu cabelo tinha estado
Agora prendo-a no peito, eu sei-o!

Oiço teus passos na calçada...
Numa ultima dança de emoção
atiro-te a rosa na multidão

rodopias breve e desinteressada...
agarro-te com a força musicada
deito-te na sombra do meu coraçao


Este Tango vais ter de dançar,
chorado com lágrimas de fado!
Rodopias uma vez mais no ar
a teus pés olho-te, ajoelhado

Finges que me beijas... o olhar...
ofereces a boca... sinto-me beijado
atiro-te no vazio do luar
e puxo-te outra vez pra meu lado

devolves-me a rosa do pecado
que teus passos gritam na escuridao
em que vendes teu corpo cansado

Comigo levo a rosa da ilusão
Choro, grito e soluço este fado
e sangro nos espinhos da canção



Beija-me nesse quente amasso
a noite é nossa e de ébria ilusão
dança dentro deste abraço
olha-me com toda tua paixão

Nossos corpos voam no espaço
Sem asas, elevas-me do chão
dança, sem lembrar o passo...
Dança! Dança,... só com o coração

Rasgamos mil passos em cascata
Enquanto teu corpo me arrebata
e teus lábios se oferecem.... num arpejo...

Ah, margens del Rio de La Plata!
como fico louco, louco... de desejo
Danço com ela; és tu, porém,... quem beijo...

Segunda-feira, Setembro 12, 2005


Assim nasceu pelo desejo,
pelo ciume.. ou pelo amor
assim nasceu juntinho ao Tejo
grito de fado... grito de dor

Así nació la voz que mata
de profundidad, casi fango
del gran Río de La Plata
no nació el fado, pero un tango ...

Xailes, alcool e rosas
bocas vermelhas, cor de morango,
versos rimados ou meras prosas.
São de amor.. o Fado.. e o Tango

Solta-se-me a voz...
como se solta sempre o amor
Solta-se a dor...
como se solta sempre no amor

Prende-se a voz
como se solta sempre a agonia
rasgam-se os nós
que a garganta em nó prendia

Volto do fim
como se volta sempre que se acaba
volto pra mim
de maos vazias ... coração com nada

Sonho com o passado
como se sonha sempre que nada se tem
acordo... desgraçado
iludido com o dia que nao vem


Dame un Tango

Olha,... olha-me no olhar..
ouves o palpitar?
Ah! Melodias de dor...

Vem, abre-me de par em par
o pensamento, no arrastar
destes passos de amor

Ah! dá-me a tua essencia.
busca em mim a inocência
que já tive e que perdi

Atira.. essa rosa para mim
dame un tango sem fim
leva tudo o que vivi....por ti

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